Escassez de água desafia agricultores a serem mais eficientes e evitarem desperdício na lavouras

17/02/2015

Destino de mais da metade da captação nos mananciais do país, sistemas de irrigação são aprimorados para permitir uso mais racional

A crise hídrica que ameaça o abastecimento de água em vários Estados também pressiona a agricultura. Destino de mais da metade da água captada em mananciais no país, a irrigação necessária para elevar a oferta de alimentos e, em períodos de estiagem, diminuir os riscos de quebra de safra, é cada vez mais desafiada para ser eficiente no uso da água e evitar desperdícios.

Mesmo beneficiados por três anos sem seca, os agricultores gaúchos, escaldados por períodos anteriores de falta de chuva e os consequentes conflitos quando a água utilizada para abastecer plantações também é escassa nas cidades, vêm trilhando o caminho da parcimônia no uso da água, sem comprometer a produtividade. O melhor exemplo vem do cultivo do arroz, cultura tradicionalmente irrigada por inundação e que se espalha por 1,1 milhão de hectares no Estado.

Programa paga agricultores para “produzirem” água no RS
agua rgs

Dados do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) mostram que, na década de 1970, os orizicultores chegavam a usar 4 mil litros de água durante todo o ciclo de uma lavoura para produzir um quilo do grão. Com o avanço dos estudos e pesquisas, agora a média é de 1,25 mil litros e a meta é chegar a mil litros, diz o pesquisador do Irga Elio Marcolin, especializado no tema.

— Os produtores são conscientes dessa questão da água e sabem quanto isso é importante. Também há outros benefícios porque, se diminuir a captação de água, gasta menos com energia — lembra Marcolin, referindo-se à elevação das tarifas de luz, insumo essencial para a irrigação.

Economia de olho na próxima safra

Uma das formas de diminuir a captação de água, explica Marcolin, é o nivelamento das áreas, o que permite manter uma lâmina menor do líquido nas lavouras. Além de diminuir a fuga, reduz a perda por evaporação. Hoje, estima o especialista, pelo menos 250 mil hectares no Estado são nivelados. Dez anos atrás, nem metade disso, calcula Marcolin, ressaltando que a adoção da técnica também depende das características do terreno.

Outra opção que vem sendo adotada por produtores é o reúso. Com esta técnica, a água que entra na lavoura, ao retornar a um ponto mais baixo do terreno, é novamente bombeada para as partes mais altas. Sendo reaproveitada, não é preciso captar mais do manancial e há, ainda, economia de energia pelo menor trajeto que a água percorre.

A racionalização do uso é necessária mesmo para quem tem barragens particulares e consegue irrigar por gravidade. Economizar, observa Marcolin, pode ser a garantia de ter água na safra seguinte caso uma diminuição da chuva prejudique a reposição de água do reservatório.

O reúso da água vem ajudando a diminuir custos, conta o agricultor Jorge Luiz Dutra dos Santos, que planta 260 hectares de arroz em Santo Antônio da Patrulha e utiliza água do Rio Gravataí — também aproveitado para abastecimento urbano. Em dois anos, o produtor conseguiu reduzir pela metade a energia necessária para o bombeio e, também, o volume captado.

Esforço pela racionalização

Manancial onde é captada água para abastecer cerca de 650 mil pessoas na Grande Porto Alegre, o Rio Gravataí é o epicentro de preocupações dos especialistas do Estado por também ter grande demanda para a irrigação de lavouras de arroz.

Signatários de um acordo que garante o desligamento das bombas quando o nível do rio chega a um patamar considerado crítico, os orizicultores da região
apostam na gestão dos recursos hídricos e em alternativas de manejo das lavouras para aliviar a pressões sobre o rio.

— O produtor não quer desperdiçar água. Há uma consciência muito diferente de 10 anos atrás — diz o engenheiro agrícola Maurício Cardoso Barcellos, agricultor em Glorinha e ex-integrante do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Gravataí.

A lavoura de 160 hectares de Barcellos é abastecida tanto pela água do rio quanto de uma barragem na propriedade. O uso do Gravataí ocorre mais nos meses de implantação da lavoura, quando o rio está mais cheio. Depois, no auge do verão, quando também cresce a demanda nas cidades, a maior parte da água usada é do reservatório próprio.

Para racionalizar o uso, a sistematização da lavoura ajuda a evitar desníveis no terreno, o que confere maior uniformidade da lâmina d’água no campo, evitando perdas e necessidade de mais captação. Manutenção dos canais de irrigação limpos e cuidados com vazamentos e transbordamentos também contribuem para a eficiência. O próximo passo é investir no reúso da água.

— Há alguns anos, colocava-se água até perto de começar a colheita. Hoje, corta-se a irrigação de 25 a 30 dias antes. É mais uma atitude de racionalização do uso — destaca Barcellos.

Para estimular o uso consciente da água, o Ministério da Agricultura lançou na semana passada um site com informações sobre os efeitos da crise hídrica no campo e informações sobre iniciativas que podem ajudar os produtores a economizarem mais.

Planejar, o foco nas culturas de sequeiro

Nas áreas de culturas de sequeiro, a irrigação passou a ser mais incentivada no Estado a partir de 2012, após uma seca severa. Uso de cultivares de ciclo mais curto, manejo do solo e planejamento da irrigação são parte da receita para racionalizar o uso da água, pontua o professor de Engenharia Rural da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Reimar Carlesso.

Na hora de molhar a lavoura, chuva e aplicações com volumes de 14 a 18 milímetros são mais eficientes do que irrigar com 20 a 25 milímetros, ensina Carlesso.

— Assim, melhora a capacidade de fazer a água ingressar no solo — diz o especialista, ressaltando que, se precisar captar menos água, a conta de energia ficará menor.

Segundo Carlesso, cerca de dois terços do solo da área de grãos do norte do Estado estão compactada pela adoção incompleta do plantio direto, o que reduz a capacidade de absorver água. Logo, os efeitos da seca são sentidos mais cedo, e a irrigação fica menos eficiente.

— A irrigação de culturas no Planalto merece acompanhamento porque está aumentando muito o número de irrigantes. Por enquanto, não há, mas pode ocorrer conflito — diz o diretor do Departamento de Recursos Hídricos do Estado, Fernando Meirelles.

Ligado à Federação da Agricultura do Estado (Farsul), o Clube da Irrigação busca mais eficiência no uso da água. Com auxílio do Sistema Irriga, criado pela UFSM, é estimulado o uso de aspersores que distribuam melhor a água na lavoura a partir de dados de estações metereológicas que indicam o momento e a quantidade necessária conforme a fase de cada cultivo. Assim, concilia-se mais produtividade com economia de água e luz.

por Caio Cigana

Fonte: Zero Hora

Deixe um comentário